Associação Portuguesa de Engenharia Zootécnica (APEZ) é uma associação sem fins lucrativos criada em 1996. Nasceu da vontade dos diplomados em Engenharia Zootécnica se organizarem na divulgação e afirmação da sua profissão, no cumprimento dos seus deveres e na defesa dos seus interesses e direitos. A formação superior em Engenharia Zootécnica existe em Portugal há mais de 40 anos.

Actualmente, o Engenheiro Zootécnico posiciona-se como peça chave na estrutura que produz alimentos de origem animal para a população humana. A sua actividade desenvolve-se a três níveis: a) a montante das unidades de produção, nomeadamente no planeamento e projecto, e nas empresas fornecedoras de factores de produção; b) nas empresas de produção animal e c) a jusante, ao nível das empresas de transformação agro-industrial e de comércio e das associações de produtores.

O enorme desenvolvimento da produção animal em Portugal registado nos últimos anos em muito se deveu ao papel dos Engenheiros Zootécnicos. Vejam-se como exemplos os sectores da produção de leite, da produção de carne de porco e de aves e da produção de ovos, onde a eficiência de produção aumentou, permitindo o fornecimento ao consumidor de produtos de elevada qualidade a baixo preço. Não devemos esquecer o papel relevante que têm na defesa e manutenção do património genético do país constituído pelas nossas raças autóctones, na adequação do sector a novos patamares de exigência na segurança alimentar, na protecção do ambiente e na aplicação de regras mais adequadas de protecção dos animais.

Os pressupostos de acção relativos à produção pecuária apresentados no RNC pelo Ministério do Ambiente, são, na nossa opinião, contraditórias com as políticas do sector agrícola, pouco fundamentados e pouco adequados à realidade nacional.

As consequências da diminuição do efectivo animal (em especial bovinos) não estão devidamente avaliadas, o relatório não contempla o progresso que tem sido feito, e deverá ser continuado, na diminuição das emissões nos animais através de melhores técnicas produtivas e da selecção genética direcionada nesse sentido, e descarta os serviços ecossistémicos que os sistemas de produção animal desempenham e que serão crescentes numa sociedade cada vez mais urbanizada.

Nos últimos anos temos vindo a assistir a uma especialização do sector pecuário nacional, em grande parte fruto das elevadas taxas de investimento devido à legislação da UE. Resultado do trabalho desenvolvido, em 2017, segundo as estatísticas agrícolas (INE, 2018), a actividade de “abate de animais, preparação e conservação de carne e de produtos à base de carne” foi a mais valorizada das indústrias alimentares com 18,7% do total do valor de vendas, contribuindo positivamente para a economia nacional. Por outro lado, a importação de animais vivos e de carne, tem um peso bastante elevado na balança comercial dos produtos agrícolas e agroalimentares.

Se a estes dados juntarmos outros como o aumento do consumo de carne (0,9% em 2017) e o grau de autoaprovisionamento de carne (76,7%* em 2017 - menor que 2016 devido ao decréscimo da produção de carne em 0,3% e ao aumento das importações em 4,2% (INE, 218)), é fácil concluir que uma redução do número de animais levará a um aumento da importação de carne para cobrir as necessidades.

A principal causa apontada pelo RNC para uma redução dos ruminantes é a produção de metano entérico, que segundo o referido relatório, representa 52,4% dos 83% atribuídos ao sector animal.

Sabemos que os bovinos, como animais ruminantes, produzem metano devido aos processos de fermentação que ocorrem no rúmen, que lhes permite decompor e digerir a fibra e hidratos de carbono vegetais. O metano, pode ser o preço a ser "pago" pela transformação de dietas ricas em fibras em alimentos valiosos para os humanos (carne e leite) (Glatzle, 2014).

O cálculo desta fermentação entérica deve ser cuidado e adaptado não só para cada tipo de animal, tipo de produção (intensiva ou extensivo), e considerando quais os alimentos que são fornecidos aos animais. A própria FAO, após o seu relatório 2006, assumiu que os cálculos relativos ao sector pecuário não poderiam ser comparados com os restantes. Neles estavam incluídos todos os factores que contribuíam para a pegada carbónica, enquanto que para outros sectores não. No seu mais recente relatório de avaliação, a FAO estimou que a pecuária produz 14,5% das emissões globais de gases de efeito estufa provenientes de actividades humanas. Não há avaliação comparativa do ciclo de vida completo para o transporte. No entanto, como Henning Steinfeld apontou, as emissões directas de transporte versus pecuária podem ser comparadas e totalizam 14 versus 5%, respectivamente (Mitloehner).

 Existem hoje evidências científicas sólidas demonstrando que é possível selecionar animais ruminantes para menores emissões de metano (ver Animal board invited review: genetic possibilities to reduce enteric methane emissions from ruminants. Pickering et al. 2015 ANIMAL 2015, 9: 1431- 1440). Este tipo de selecção irá, não só diminuir as emissões/animal, como também aumentar a sua eficiência digestiva. Numa era de seleção genómica este será o caminho de futuro para a diminuição efectiva das emissões por parte destes animais. Existem ainda resultados científicos indicando que este efeito será independente do uso de aditivos na alimentação animal com vista à minimização das emissões entéricas, o que levará, se usados em conjugação, a diminuições bastante significativas na emissão de GEE em ruminantes. Fica claro que a diminuição do efectivo animal não é a única forma de diminuir a sua pegada ecológica. Uma actuação ao nível genético e produtivo trará resultados mais eficientes e duradouros, contribuindo para o desenvolvimento holístico de sistemas de produção sustentáveis.

Reduzir efectivos levaria a uma menor disponibilidade de alimento e a uma maior importação. Para além de afectar a balança comercial, prejudicar os produtores pecuários, e aumentar a desertificação do interior do país (assunto político de longa data, e onde também já houve investimento!). Mas também levanta outra questão – a da pegada carbónica do transporte. Será esta inferior à dos animais?

Afirmar que a redução de 25 a 50% da produção pecuária é uma das formas de atingir os objectivos de redução da emissão de CO2, parece-nos muito redutor. É necessário ter uma abordagem holística sobre o problema, tendo em conta a procura por proteína animal, a eficiência dos sistemas de produção (incluindo metodologias de minimização de produção de metano entérico), e a educação do consumidor.

Como engenheiros zootécnicos, profissionais da pecuária e acima de tudo adeptos de uma agricultura sustentável e que proporcionem um rendimento condigno às populações que dela vivem, parece-nos muito importante desmistificar e lutar contra a ideia de que os ruminantes são os principais agentes da emissão de gases de estufa. 

A previsão de um aumento de 12 a 46% das áreas de pastagem biodiversa que surge como um objectivo do RNC, sendo, na nossa opinião, um objectivo pertinente e importante. Convém salientar o facto de que os animais surgem como elemento imprescindível das pastagens biodiversas. As áreas de pastagem estão (e prevemos que, a aumentarem, será também nestas zonas) maioritariamente localizadas nas zonas montanhosas a Norte do Tejo, assim como extensas regiões de pastos de sequeiro do Alentejo e do Algarve. Muita da produção extensiva de ruminantes em Portugal está associada a raças autóctones. Estes animais estão particularmente bem-adaptados às condições edafo-climáticas e de pastagem das regiões de que são oriundos e a sua produção em regime extensivo é crucial para a disponibilidade e qualidade de produtos de denominação de origem controlada tão apreciados por esse mundo fora. A sua utilização reveste-se, pois, de extrema importância no âmbito do combate à desertificação humana e ao abandono das regiões interiores de Portugal. As graves consequências desse abandono rural e decréscimo do efetivo animal estão à vista a cada verão. O mato invade as antigas pastagens na primavera e as florestas naturais ou plantadas e, inevitavelmente, é consumido em incêndios florestais cada vez maiores, impossíveis de controlar e com enormes perdas materiais e humanas. Ora uma diminuição do efectivo de bovinos não contribuirá para a manutenção (ou aumento) de áreas de pastagem. 

O efectivo bovino leiteiro em Portugal tem diminuído, no entanto, a produção de leite tem-se mantido relativamente estável, o que indicia, mais uma vez, um trabalho técnico no aumento da eficiência produtiva dos animais. Prevê-se, para os próximos anos, que, na Europa Ocidental, haja um crescimento próximo de +14% no consumo de produtos lácteos. Com a tendência atual, se nada for feito, a evolução do número de bovinos leiteiros tenderá a diminuir. No entanto do ponto de vista económico e da sustentabilidade ambiental da Europa e particularmente de Portugal, será necessário importar mais para dar resposta às necessidades de consumo em especial de queijo, iogurtes e outros produtos lácteos inovadores, o que em última análise contribuirá para as emissões globais.

Consideramos haver um conjunto enorme de constrangimentos ao funcionamento do sector e também um manancial de oportunidades, neste tempo de Zootecnia de Precisão, Sustentabilidade da Produção, Circuitos Curtos e Economia Circular, Desenvolvimento Integrado e Uniforme do Território e, não menos importante, a necessidade de aumentar a nossa Autosuficiência Alimentar

A Associação Portuguesa de Engenharia Zootécnica está empenhada e disponível para contribuir activamente nesta discussão. 

A Direcção da APEZ

 

 

*inclui todas as espécies (bovino, ovino, caprino, suíno, aves de capoeira). Entre 2014 e 2017, a carne de bovino foi a mais deficitária, cobrindo, em média, 53,3% das necessidades de consumo.